domingo, 29 de novembro de 2009

Reflexões

Em todos os níveis existe essa tendência hoje em dia, inclusive o nosso, onde alguém que pensa diferente e não é exatamente igual é tomado por louco.

Parem de mandar na minha vida!

Até o final da adolescência, eu lia Sartre. Com o tempo, as ideias do zarolho francês se incorporaram à minha extensa coleção de arrependimentos. De tudo, restou a noção de que o homem está condenado à liberdade. Nesse ponto, Sartre acertou na mosca – sem querer. E talvez tenha sido apenas um recozimento existencialista do bom e velho livre-arbítrio.

Atualmente, um número cada vez maior de pessoas, e temo que seja a maioria, entende a liberdade como um fardo, um suplício, uma condenação. Os tais formadores de opinião, em geral, não toleram a liberdade em si mesmos e não conseguem tolerá-la nos outros.

O mandonismo é a regra de ouro destes nossos tempos interessantes; os tentáculos do Estado são evocados a toda hora para garantir que a vida seja limpa, segura, honesta, pura, correta e saudável. Não fume! Não beba! Não use automóvel! Não coma alimentos gordurosos!
Não exagere no consumo! Não gaste energia! Não gere lixo! Não faça sexo sem camisinha! Não sobrecarregue o SUS! Não deixe o cachorrinho fazer cocô no jardim! Acima de tudo, não lucre! Não, não, não.

Na TV, uma propaganda pergunta: De que lado você está? A luta de classes não é mais de proletários versus burgueses; é de amigos versus inimigos da natureza; ou amigos versos inimigos da justiça social.

Políticos e militantes modernos odeiam o individualismo: eles sabem o homem solitário, dono de seus atos, é o maior obstáculo à utopia mandante. Por favor, parem de mandar na minha vida!

*****

Antes de se tornar conhecido como o pai da filosofia, Sócrates foi soldado de infantaria na Guerra do Peloponeso, tendo se destacado por atos de bravura. Mas o pensador ateniense tinha suas idiossincrasias. Certa vez, durante uma batalha, ele permaneceu 24 horas imóvel, mergulhado em pensamentos.

Em que estaria pensando Sócrates naquele dia? Não sabemos, até porque ele não deixou uma só palavra escrita. Tudo que dele sabemos vem de fontes indiretas – principalmente Platão e Xenofonte.

Mas deixo a filosofia para quem é mais versado no tema – meu amigo Silvio Grimaldo, por exemplo. Permito-me imaginar que naquele dia, 400 anos antes de Cristo, Sócrates estivesse pensando na Queda. Sim, a Queda: o lugar e a condição em que vivemos.

A Queda é ter olhos, mas ser cego; é ter ouvidos, mas ser surdo; é ter uma boca, mas só dizer blasfêmias; é ter mãos, mas nada construir; é ter razão, mas não pensar; é ter coração, mas levantar e deitar na companhia do ódio. A Queda é, de repente, perceber que nós somos o holocausto da nossa própria liberdade.

De que nos adiantam os cinco sentidos, se não atribuímos um sentido individual à vida? De que adianta definir retoricamente a liberdade, se a tendência da maioria é afogar o indivíduo nas águas turvas do mandonismo?

Nenhum comentário: